Artigo
Seres incomuns: Marie Curie e Rosa Montero
Por Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud, Society for Psychotherapy Research
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Ganhei de um velho amigo um presente extraordinário, La ridícula idea de no volver a verte, Seix Barral, 2013, livro da espanhola Rosa Montero. A autora invulgar trata, em simultâneo, da viuvez própria e da perda que sofreu a também incomum viúva Mme. Curie, quando da morte inesperada de Pierre Curie, seu marido e, como ela, ganhador do Nobel. Mas, não é um livro que trata apenas de luto, ela mesma diz, p.17, é bem mais, estende-se sobre a vida, sua dureza, humor, sabedoria, leveza. Fortemente recomendável.
Manya Sklodowska nasceu em 1867, em Varsóvia, sendo que naquele então seu país, a Polônia, não existia, pois estava já sob o tacão russo e de alguns parceiros, com uma repressão boçal. Até a língua natal era proibida. Filha caçula de cinco irmãos, cujos pais eram classe média, mas de cultura acima do comum, levou a que Manya, aluna destacada desde sempre, conseguisse bolsa e fosse estudar em Paris, coisa inusitada. Na Sorbonne ela aprofundou-se em química e, depois com outra bolsa, em matemática, alcançando sempre os primeiros lugares. Ali, entre idas e vindas, ela conhece a Pierre Curie, avessado na física e na química, então se enamoram e ela se afrancesa, adotando o Marie Curie, aos 27 anos. O primeiro Nobel foi ganho em conjunto com Pierre, mas o segundo foi dela, em carreira solo. Irène, filha do casal, levou também um Nobel de Química. Gente cabeça.
Fala Rosa Montero, p.23: “A verdadeira dor é indizível. Se consegues falar do que te agonia estás com sorte. Porque quando a dor cai sobre ti sem paliativos, o primeiro que te arranca é a palavra...falo dessa dor que é tão grande que nem sequer parece que te nasce dentro, senão que é como se tivesses sido sepultada por uma avalanche. Tão enterrada sob essas pedregosas toneladas de pena que não podes nem falar. Estás segura de que ninguém te vai ouvir...agora que o penso, nisto é muito parecido com a loucura...” (tradução campeira).
Não é à toa que no ambiente freudiano aprendemos que para aprender sobre sofrimento e loucura o melhor caminho é ler grandes escritores. Melhor que qualquer livro de psicopatologia.
Fala Marie Curie depois de um ano de viuvez, abril de 1907, em seu diário final, transcrito na obra de Montero, p.233: “faz um ano. Vivo para tuas filhas, para teu pai ancião. A dor é surda, mas segue viva. A carga pesa sobre meus ombros. Quão doce seria dormir e não despertar mais...que cansada me sinto! Terei ainda coragem de escrever?”
Consta que não mais escreveu. O diário fala da dor da perda do amor de toda uma vida. Mostra uma mulher apaixonada ao extremo, tanto pelo marido quanto pelo trabalho, vencendo preconceitos por sua condição de mulher, chegando a cientista destacadíssima, professora da Sorbonne.
Marie Curie e Rosa Montero, duas mulheres a cavalo nesse 8 de março, como outras tantas que conheço.
O texto vai para Fernando Celso Barros, velho amigo de décadas.
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